Vontade de fazer nada – por Carlos Santiago

Carlos Santiago é Sociólogo, analista político e advogado.

Hoje acordei com uma vontade de fazer nada. Olhei para cada coisinha ao meu redor e senti um desprezo, um não sei o quê… Observei que os meus dois livros preferidos, A Divina Comédia e Hamlet, eram contrastantes: uma comédia e o outro, uma tragédia. Divaguei um pouco sobre seus conteúdos. O caminhar da vida, o amor, a traição, a busca pelo poder, a morte, o inferno, o purgatório e a vontade danada de toda pessoa de ir para o paraíso. Fiquei desolado só de pensar em ir para o inferno. Por alguns segundos o temor e o medo me invadiram, mas aí me veio à cabeça a música do Roberto Carlos: “…que vá tudo pro inferno…”.
Fiquei pensando e matutando sobre os motivos que levam a gente, às vezes, a ficar sem vontade de fazer nada. Quando eu digo nada, é nada, nada mesmo. Não é o nada sartriano, ou o inventado ócio criativo do italiano De Masi, ou o que querem os jovens quando dizem que não vão fazer nada e vão passear, nadar, surfar e tantas outras tarefas. O meu nada advém de uma extremada preguiça física e mental, não é sintoma doentio de uma possível depressão, é simplesmente uma vontade de ficar quieto, imóvel, inerte… Ahhhh!!!!


Algumas pessoas dizem que a vida é um dia de festa, outras que é um dia de luta, outros gritam que é apenas um dia de trabalho, mas todos estão errados. A vida é, meus amigos, nada mais, nada menos, que um dia de descanso. Desculpem os que gostam de agito. Não quero falar, pensar, agir muito menos. Quem sabe ler?

Carlos Santiago é Sociólogo, analista político e advogado.

Rio de tudo isso. Lembro-me de uma antiga forma escolar de leitura: a leitura silenciosa. Rio ainda mais, pois a minha cabeça fica povoada de imagens de colegas que ao iniciar a chamada leitura silenciosa, acabavam fazendo mais barulho que uma banda de música, deixando a professora indignada. Reflito que hoje a indignação dos professores é por sua indigna situação escolar e profissional que eles vivem. Mas isso não me interessa, penso eu. Ora, se os governantes fazem tão pouco caso da educação, por que eu seria o carpinteiro do universo?

Outras demandas sociais me vêm à mente. Tento não pensar. O meio ambiente, o meio ambiente… , as preocupações com a pobreza, o conluio entre o político e a justiça, o homicídio do engenheiro Flávio, o desprezo ao conhecimento científico, falas dos governantes, os argumentos prós e contras… Como ousam!!!… “faça cocô um dia sim outro não”, queimadas, queimadas…, índios, Ongs, fazendeiros, animais…. peço à minha mente para não pensar, não consigo.

Lembro-me da notícia de que em breve exploraremos novos planetas. Digo, que legal!! Mas temos um planeta feito por encomenda para o homem, com todo um bioma maravilhoso, e nós queremos destruí-lo para irmos nos aventurar em outro planeta. Penso num palavrão. Falo baixo. Choro em silêncio. Murmuro mentalmente a letra da música Pérola Azulada, do Zé Miguel: Eu amo você Terra minha amada, minha oca, meu iglu, minha casa. Eu amo você pérola azulada, conta no colar de Deus, pendurada… Repito então baixinho: como ousam!! Como ousam!!

Lá fora, ouço falas, gritos, reclamações. Por que todas as pessoas não ficam em silêncio? Por que não cruzam os braços? A maior ação às vezes está na inércia…O maior barulho, no silêncio. Tento imaginar um mundo sem nenhuma ação. Um silêncio global. Fico ali parado, sem fazer nada, fazendo minha própria revolução individual e solitária, fugindo do social para compreender o social, um tipo de Zaratustra em busca da compreensão de si e de seu mundo.

Carlos Santiago é Sociólogo, Analista Político e Advogado.

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