[Crônica] A Moderna Pandora ou A Herança Indesejável – por Isabela Abes Casaca

Muito longe daqui, no longínquo mundo das ideias, arquétipos, metáforas e parábolas, existia uma pequena vila ao sopé de uma nebulosa montanha arranha-céu. Muito embora inóspita, era escalável, havia talhada na rocha bruta uma rústia escada de pedras, esculpida pelos éforos, que há milênios partiram com destino desconhecido.


Dentre os habitantes do vilarejo estava Belerofonte, que certa noite, intrigado com os mistérios em torno do cume da montanha, decidiu trilhar as escadas pedregosas e descobrir o que havia no fim dos degraus. Silenciosamente e secretamente escalou os rústicos caminhos, portando uma pálida chama como companhia.

No meio da madrugada descobriu a torre cinzenta e adentrou seus umbrais, deparou-se com um baú de bronze, cuja tampa continha uma inscrição gravada, uma advertência inequívoca:

Acautele-se antes de destampar este artefato!

Dentro dele há fortuna inimaginável.

Contudo, por mais esplendida que possa parecer, ela é menor do que os olhos podem perceber.

Acautele-se antes de destampar este artefato!

Sob a fortuna está infortúnio igualmente inimaginável.

Contudo, por menos pesaroso que possa parecer, ele é maior do que os olhos podem prever.

Acautele-se antes de destampar este artefato!

Sob o infortúnio só os céus sabem o que pode haver.

Belerofonte não era um homem muito chegado a crendices, aquela mensagem dos éferos não lhe causou temor, sequer tremor; ergueu a tampa e o brilho de mil tesouros lhe encheram os olhos. Ouro, prata, rubis, esmeraldas, diamantes, pérolas, a riqueza de incontáveis espólios. Fartou as mãos com o tanto que conseguiu, ao retornar levou consigo o máximo que pode carregar.

Com aquela pequena parcela de tesouros em mãos facilmente se tornou o governante do vilarejo, assim permaneceu por quase uma década, comumente retornando a torre a fim de encher mais os bolsos, paulatinamente dilapidou a fortuna que ali se escondia. Destruiu ágoras e em seu lugar edificou coliseus, sucateou templos e financiou espetáculos.

Porém, chegou o dia da última excursão de Belerofonte, antes mesmo de alcançar o término da escada, com um passo em falso escorregou, como se estivesse num cadafalso tombou, no ar precipitou e no chão se esfacelou. Ismália foi a única testemunha ocular do trágico fado do espoliador, curiosa resolveu trilhar o mesmo caminho do ex-governador.

Pelas toscas escadas subiu até a torre cinzenta, descobriu o baú e agindo com ainda mais deszelo sequer leu por completo o que estava gravado e alertado, deslumbrou-se com o resto de fortuna que ali jazia, dela apossou-se. Sem se deixar perceber, o infortúnio abandonou o artefato, com a mesma velocidade das más notícias, dos boatos e das inverdades.

Ao regressar a vila Ismália se desesperou, nunca havia visto tamanha cena de desordem, a terra havia sacudido, os ventos haviam varrido a superfície, as labaredas se apagado, a água secado; os coliseus ruíram e os carnavais acabaram. Jogou o tesouro no chão, para não mais retornar, fugiu do caos do acaso.

A população estava desnorteada, procurando entre os escombros e a sucata do supérfluo algo que nem sabiam direito o que era. Silvana, uma das integrantes da ordem vestal, os observa e constata:

– Eles são movidos por um estranho desejo, invisível aos olhos humanos.

Reparou que na base da escada estava espalhado restos de um tesouro, com intuito de desvendar aquele mistério ascendeu pelas escadas, tal qual Belerofonte e Ismália encontrou a torre dos éferos, atravessou seus portais e avistou o baú enigmático, leu por várias vezes a inscrição, a muito contra gosto colocou as mãos na tampa, balbuciou baixinho:

– A fortuna já foi retirada, o desfortúnio também. O que pode ter sobrado? – destampou o artefato, um singular brilho refletiu em seus olhos, no fundo do baú estava a maior fortuna que a criatura humana pode desejar, muito maior que um tesouro de esmeraldas, rubis, ouro e diamantes, no fundo do artefato brilhava a ardente chama da esperança.

Esta era a mensagem que tinha que evangelizar… É hora de recomeçar…

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[author image=”http://oi59.tinypic.com/md2p28.jpg” ]Isabela Abes Casaca é graduada em Direito e integrante do movimento Novo Ágora. Considera-se escritora amadora.[/author]

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