Disputa política e falta de visão, igual à crise no sistema prisional no Amazonas

Presos da amontoados m 2006, em Manaus.

A crise do sistema carcerário tem revelado a fragilidade do sistema prisional não só do Amazonas, mas em todo o País. O problema, no entanto, está sendo tratado como local, atual e não resultado de ações equivocadas, realizadas em governos não tão distante.


Pouca gente se lembra da indústria da invasão, a grande responsável pelos bolsões de miséria que geraram as galeras nos bairros e organizações criminosas, com início no governo de Gilberto Mestrinho e atingiu seu ápice no governo de Amazonino Mendes. Mas foi na gestão dos prefeitos Arthur Neto, Amazonino Mendes e Eduardo Braga, que Manaus se viu cercada de vários bairros, criados sem a menor infraestrutura e também sem escolas e aparato policial ou médico.

Há 30 anos, a população de Manaus era formada por 700 mil habitantes. Hoje tem dois milhões e meio, quase 200% a mais, no entanto, não teve o mesmo acompanhamento dos serviços básicos, médicos, segurança. A Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa está entre elas. Há 30 anos, já existia a super-lotação dos presídios, mas não com tantas rebeliões como vem acontecendo nos últimos dez anos, ainda assim, os governantes da época não previram o inchaço e a consequente crise do sistema carcerário no Amazonas.

Presos amontoados em 2006, em Manaus (imagens Canal Livre).

O que se atribui como fato novo, ocorrido no atual governo, pode ser facilmente identificado pela falta de visão de governos passados e ao advento dos programas tipo “mundo cão” e seus apresentadores sensacionalistas (alguns deles se elegendo deputado, como foi o caso dos irmãos Carlos e Wallace Souza), a aproximadamente há 20 anos.

Consequências previsíveis

No final dos anos 90 registrou-se um aumento vertiginoso no grau de violência na Capital. Nessa década, a criminalidade alcançou níveis inimagináveis na área periférica de Manaus. A cidade que aprendeu a assistir, na hora do almoço, a prisão de pequenos delinquentes, ladrões e traficantes de menor porte, de repente, passou a ver uma disputa acirrada por poder político, audiência do horário e muito sangue jorrando na telas das TVs.

Mas foi em meados dos anos 2.000, que a imprensa local e os programas “Mundo Cão” começaram a divulgar a presença de membros das duas facções criminosas mais violentas do país: o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo.

Marcas da violência nas áreas periféricas da Manaus em janeiro de 2012 (imagem Canal Livre).

A previsível escalada da violência agora contava com a pistolagem, corpos queimados com marcas de tortura, alguns esquartejados e jogados em malas. Tudo lançado nas telas das TVs, no horário do almoço, para mostrar poder e também para garantir audiência.

O campo de batalha também ganhou outros aspectos: o político. Os programas “Mundo Cão” mostravam a violência, que serviam de vitrine para as ações do governo estadual da época, na área de segurança. Foi nesse período, que Eduardo Braga se elegeu e se reelegeu governador. Ele teve o apoio dos irmãos Souza e ainda fez o sucessor, Omar Aziz, que inclusive foi secretário de segurança.

Terceirização

A administração terceirizada dos presídios aconteceu a partir de 2004. Nessa época, foram assinados os contratos milionários de que temos notícias hoje e, as fugas e rebeliões com maior frequência. A partir daí, as celas passaram a ter cada vez mais celulares, drogas e armas sendo encontradas em maior número.

E em 2014, a segurança virou o cavalo de batalha, literalmente, na campanha para governo do Estado. José Melo (PROS) foi para a reeleição e enfrentava o senador Eduardo Braga (PMDB), que liderava as pesquisas e era considerado até então imbatível. Portanto, não se entendia o desespero mostrado na campanha por parte de Braga, que incitava a população acreditar na violência nos bairros como obra do governador Melo. Ele usou uma série de assaltos, fugas e rebeliões nos presídios de Manaus no seu horário político como uma tentativa de enfraquecer o governo e virar o jogo das eleições.

O pânico se instalou, acusações de que Melo estaria usando a polícia militar e as facções criminosas, tomaram conta das redes sociais, fomentadas por hackers, fakes contratados para induzir a população ao pânico e, mesmo assim, não evitou a derrota de Braga nas urnas.

Disputa

O fato é que na disputa pelo poder, foram usadas todas as armas em 2014 e agora em 2016/2017. Para o sedento pelo poder, não importa se no meio dessa guerra está uma população aterrorizada, acuada em suas próprias residências, ameaçada pela bandidagem alimentada por grupos políticos que buscam a volta ao governo por meios que não sejam o voto.

A guerra entre as facções é pela disputa de território, que se mostrou necessária entre elas, pela grande apreensão de drogas nos últimos dois anos, quando o secretário Sérgio Fontes assumiu a pasta.

Delegado da Polícia Federal visto como linha dura e tendo o apoio do serviço de inteligência, conseguiu apreender em 2015 mais de 6 toneladas de drogas, entre cocaína, maconha e oxi. Em 2016, o total de drogas apreendidas foi de oito toneladas, representando um prejuízo para o tráfico de mais de R$ 1 bilhão. Com território e mercadoria reduzido, as facções resolveram se digladiar por uma fatia maior do que sobrou para elas. Foi aí que entrou a rebelião, o massacre e a tentativa política de tirar proveito da situação.

A disputa pelo governo em 2018 está longe de começar, porque a de 2014 ainda não terminou. Braga ainda sonha em assumir o cargo de governador na eventualidade de Melo ser cassado. Ele demonstrou isso recentemente em seu discurso no Senado, responsabilizando o governador, como se não fosse ele o contratante da empresa Umanizzare, que administra o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) desde 2006, quando ele ainda era governador.

Entenda o caso

O senador perdeu a eleição e a levou para o terceiro turno. Impetrou vários recursos contra Melo que culminaram em sua cassação por parte do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AM) em 2015. Melo mantém-se no cargo por ter entrado com recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O recurso deve ser julgado este ano e, caso se mantenha a decisão do TRE-AM, Melo ainda poderá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas ainda pode haver eleição indireta, ficando os deputados estaduais com a responsabilidade de escolher o governador para o mandato tampão até as eleições de 2018.

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