Em direção oposta à Vida – por Carlos Santiago

Carlos Santiago é Sociólogo, analista político e advogado.

Ele caminhava em direção oposta à vida. Tinha um aspecto estranho, mórbido. Sei que não possuía mais um semblante de humano. Era apenas um corpo, um espectro. O rosto e o corpo eram juvenis, mas o seu olhar já não tinha vida. Havia ultrapassado as três barreiras que funcionam como obstáculos da fronteira entre a vida e a morte: a tristeza, a melancolia e a depressão. Nos seus olhos já não haviam lágrimas, nem tinha ele o olhar voltado ao nada, apenas queria, desejava e buscava a finitude da sua própria vida, a sua morte. Estava decidido a por fim à sua existência. Havia perdido o elo, o laço com o mundo. Nada mais importava: amor, família, amigos, conhecimento, religião, Deus. Todos os valores mais caros agora inexistiam para ele, o seu tempo terreno findou.


Sua mãe, seu pai, amigos, médicos e até desconhecidos pediam a ele para não se matar, ser forte, orar, praticar esportes, buscar ser mais alegre… Afirmavam que a morte nunca é um bom caminho. Ele ouvia e dizia eu sei, vou vencer, me cuidar, serei forte. Alguns questionavam as atitudes e tentavam adivinhar qual seria a causa “daquilo”. Talvez, um amor não correspondido? Um trauma de infância? Uma sexualidade mal definida? Uma doença crônica? Afirmavam que para mantê-lo vivo a vigília deveria ser constante. Não se poderia deixá-lo sequer um momento. Acompanhariam sempre. Mas a morte é traiçoeira, não deu para evitar, ele se jogou da ponte. A estreita ponte que separa a vida da morte.

O referido episódio faz parte de uma história trágica que vem sendo contada e recontada na literatura, na sociologia, na psicologia e, infelizmente, na vida real. Mas o que leva uma pessoa a querer dar cabo da própria vida? O importante não é compreender o ato. Esse, todos sabemos, é o último elo decisório que irá suprimir voluntariamente a própria vida. O mais importante não é saber sobre o desfecho, o ato final e psicológico, que não passa de uma decisão singular e vazia de sentido. O importante é tentar compreender as causas e como se processa a cadeia de decisões que levam uma pessoa a buscar na morte a solução de seus problemas.

Na Suíça, existe o suicídio assistido, sendo um local de interesse cada vez maior por quem quer dar cabo da própria vida. Espanha, França e Holanda querem legalizar essa prática. No Brasil o debate em torno do suicídio ainda é ínfimo, talvez, por questões emocionais e familiares, culturais, mas principalmente por falta de políticas públicas voltadas para esse tipo de ocorrência. É claro, que tratar o fenômeno sempre como tragédia, obnubila mas do que esclarece as causas do suicídio. É necessário redimensionar a importância desse fenômeno social, colocando-o na agenda do dia do Estado, da família e do próprio indivíduo. Entendê-lo em toda a sua extensão é a melhor forma de compreender as causas, o encadeamento de decisões e o seu ato final.

Não se pode prevê se o suicida se jogará da ponte, do prédio, viaduto; não há como saber se ele amarrará uma corda no pescoço ou se dará um tiro na cara. O que está em jogo não é o local do fato, mas as dores, angustias e sofrimento que estão na mente da pessoa. Metaforicamente, podemos dizer que a vida de cada pessoa é como um caleidoscópio, dependendo do seu ponto de vista ela vai ser lilás, azul, branco ou colorido. Afirmam que a vida de um suicida é preto e branco, talvez porque, antes dele tirar a própria vida, sua esperança de viver já morreu. A morte ou a vida da esperança é a pena de Maat que vai fazer a balança da vida e da morte pender para um lado ou outro.

Carlos Santiago é Sociólogo, Analista Político e Advogado.

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