Nossa Bastilha – por Isabela Abes Casaca

Prise_de_la_Bastille14 de Julho de 1789, data da Queda da Bastilha, um dos acontecimentos mais importantes do processo histórico que foi a Revolução Francesa. As pinturas transmitem a impressão de algo glorioso, um evento extremamente simbólico, onde os revolucionários tomaram um signo de opressão do poder autoritário.


De fato, a bastilha era usada como local onde o governo absolutista encarcerava os presos políticos, contudo, ao tempo de sua tomada, esta prisão já estava meio aposentada. Quando os revolucionários invadiram bastilha lá não estavam criminosos políticos.

Haviam, na realidade, nobres pesos por comportamento imoral e libertino, um exemplo era o infame Marquês de Sade. Portanto, este acontecimento não é tão revestido de romantismo e glória como as retratações fazem crer.

Da mesma maneira, a revolução francesa, como um todo, não é tão romântica e transformadora o quanto pintam por aí. No ano de 1856, transcorridos apenas 67 anos após a supracitada conflagração, o pensador francês Alexis de Tocqueville esmiuçou os eventos relacionados aquele momento, desmistificando a aura revolucionária, com o livro: O Antigo Regime e a Revolução. Já no prefácio da obra, o visconde de Tocqueville enuncia:

Os franceses fizeram em 1789, o maior esforço que um povo já empreendeu, a fim de, por assim dizer, cortarem em dois seu destino e separarem por um abismo o que haviam sido até então do que queriam ser dali em diante. Com esse objetivo, tomaram toda espécie de precauções para não levarem para sua nova condição coisa alguma do passado; impuseram a si mesmos toda sorte de coerções para se moldarem diferentemente de seus pais; enfim, nada esqueceram para se tornarem irreconhecíveis.

Eu sempre pensara que eles haviam obtido muito menos sucesso nesse singular empreendedorismo do que se acreditara no exterior e do que eles mesmos acreditaram inicialmente. Tinha convicção de que involuntariamente haviam conservado do Antigo Regime a maior parte dos sentimentos, dos hábitos, mesmo das ideias por meio das quais conduziram a Revolução que o destruiu e que, sem querer, haviam usado seus escombros para construírem o edifício da sociedade nova.

À medida que o pensador avança em seus estudos surpreende-nos com uma infinidade de características, que ele julgava nascidos da revolução. Porém, que na realidade, encontravam parte de suas raízes nascidas no velho solo no antigo regime. Segundo Alexis a revolução teve duas fases bem distintas: a primeira, durante a qual os franceses parecem querer abolir tudo do passado; a segunda, em que vão retomar nele uma parte do que haviam deixado“.

O pensador, acompanhando o curso desse processo revolucionário, observou quais as circunstâncias levaram os franceses a abandonar seu objetivo inicial, passando a querer um governo mais forte e muito mais absoluto do que aquele que haviam tão recentemente derrubado. Mostrando que, apesar da revolta, os indivíduos e a sociedade daquela tempo não evoluíram tanto.

Eugène_Delacroix_-_La_liberté_guidant_le_peupleE porque estou falando de Revolução Francesa, algo tão pretérito? Aquelas pessoas do começo da idade contemporânea não são muito diferentes de nós (se você for espírita, pode até suspeitar que aqueles franceses somos nós mesmos). Será que somos Maximilien de Robespierre? Será que somos Jean-Paul Marat? A revolução francesa é agora?

Neste domingo estão acontecendo várias manifestações pelo Brasil contra o governo instituído, tal fato pode ser visto como um dos desdobramentos dos movimentos que se iniciaram em 2012. Há muitas pessoas nas ruas, querendo derrubar a bastilha. E me pergunto: Depois que derrubarmos a bastilha o que faremos?

Derrubaremos a bastilha que existe dentro de nós? Expurgaremos a corrupção e o autoritarismo que está em nós? Reconheceremos a parcela de sombra que ainda está em nosso coração?

Em minha cabeça existem mais dúvidas do que certezas: Se em 2012 clamamos tão avidamente por mudanças, porque nas eleições mantivemos o status quo? Será que queremos realmente mudanças? Ou será queremos apenas alguém pra por a culpa? Ou ainda, será que queremos apenas alguém para expressarmos a aversão por nossas próprias imperfeições? Talvez a intitulada primavera brasileira seja um dos últimos desdobramentos da histórica Primavera dos Povos, talvez. Será?

Não sou partidária, não sou esquerda, não sou direita, não sou centro, não sou um rótulo. Sou uma pessoa. Uma pessoa que se esforça pra olhar o nosso quadro social de maneira reflexiva, com esforço para não cair no maniqueísmo, no superficialismo, no lugar-comum, no óbvio ululante que pulula nas mentes humanas.

guilhotinaRogo, com alguma esperança, que esses movimentos no Brasil, não tenham o mesmo padrão que a revolução francesa. Em 1790, o filósofo Edmund Burke em sua obra Reflexões sobre a revolução na França, expôs suas ponderações sobre o movimento revolucionário, podemos ver claramente que ele foi destoante de seus demais colegas filósofos em sua análise.

Este pensador se opôs fortemente a revolução, esta para ele trata-se de uma edificação erguida sobre mentiras e violência, sendo um marco de ignorância e brutalidade, apontando principalmente a execução brutal de “homens bons”, como Antoine Lavoisier.

Burke, embora conversador, advoga a teoria da soberania do povo, e afirmava que a história é feita de um longo depósito de tradições, de prudência, de moral, incorporadas nos usos e nas civilizações, e não é fruto das meras elaborações intelectuais.

Posso dizer que concordo com este posicionamento, em minha compreensão, se quisermos realmente transformar para melhor a situação de nosso país, devemos ser prudentes e olhar sobretudo para a nossa própria moral. Como estamos agindo como cidadãos da sociedade? Como está nossa fidelidade, nossa honestidade, nosso compromisso? Antes de qualquer coisa, façamos esse exame: Como estamos?

Façamos essa reflexão com sinceridade, com franqueza, com olhar atencioso e com muita calma. Mudar a nossa atual situação transcende “derrubar uma bastilha”. Uma real transformação só poderá vir do nosso coração, isso é trabalho de perseverança e dedicação. O Brasil está se mobilizando, faço votos que cada brasileiro faça um trabalho de se transformar.

Para aqueles que desejam sinceramente transformação, deixo uma mensagem de Sócrates: Deixe quem desejaria mudar o mundo mudar-se primeiro a si mesmo.

Post-scriptum (18h45): Estou imensamente feliz com as notícias que tenho lido a respeito das manifestações e também com as fotos que tenho visto, de maneira geral as manifestações tem transcorrido pacificamente, muitas famílias nas ruas demonstrando seu anseio por dias melhores. Fico feliz em ver que estamos transmitindo nossa mensagem dentro de alguma paz. Me traz esperança dias como este.

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