O velório do sorriso – por Flávio Lauria

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Professor Universitário

Li num folheto da Associação Britânica de Saúde Mental: O verdadeiro inimigo da preocupação é o riso. As pessoas que não sabem rir de si mesmas, usualmente levam-se muito a sério, ou então sofrem de uma inadaptabilidade por recusar admitir que estão sendo postas em ridículo ou estão em erro.


Um sentido de humor adequado é a maior ajuda para enfrentar dificuldades ou preocupações, que, quando excessivas ou desproporcionais, revelam-se como sintomas comuns de pessoas neuróticas. O sorriso faz dupla com a linguagem como formas fundamentais da comunicação humana, o que nos faz lembrar o escritor e político inglês Joseph Addison (1672/1719): O homem é diferente de todos os outros seres, porque é o único que possui a faculdade do sorriso.

Mas o sorriso só tem valor quando encerra plena espontaneidade, capaz de revelar a alegria embutida na alma. Para sorrir, o homem precisa estar na condição de sensibilizado. Ultimamente, o brasileiro – com as exceções costumeiras -, se está sorrindo, o está fazendo sem a espontaneidade que lhe é peculiar. Tantas são as decepções, que o amarelo virou mesmo a cor oficial do sorriso do nosso povo, que, de humor negro, anda mais que cheio. Sua credulidade no que deveria lhe cair positivo está à deriva, no meio de uma tempestade de mentiras, de falsos testemunhos e afirmações, de escândalos, notícias de corrupção, medidas impensadas e de impunidades materializadas.

O primeiro sorriso do homem ocorre geralmente aos três meses de vida, um ato intencional diante de um rosto humano. Afora as crianças, na sua fase mais tenra, o brasileiro não vem tendo motivos para sorrir com espontaneidade, pois está sendo violentado no mais sagrado de seus direitos, o de saber, com a devida clareza, de quem o governa, qual a real situação do País em que vive, trabalha, paga impostos, cria seus filhos e convive com familiares, colegas e amigos. O brasileiro, além de estar sorrindo mais que amarelo, maltratado que se encontra ante aos desvios administrativas, possivelmente, nos próximos dias, não terá nem mais o direito de sorrir amarelo, pois, no escuro, sua manifestação nem cor terá.

Flávio Lauria é Administrador de Empresas e Consultor.

Aliás, em algumas situações, o sentimento que expressará será o de pavor, não do escuro em si, mas diante das consequências que os possíveis apagões poderão trazer às populações, especialmente dos grandes centros do País. Um sorriso revitaliza qualquer ambiente, tanto para quem sorri quanto para aqueles que estão à sua volta, o que pode reduzir níveis de tensões e mal-estar que possam ter surgido em um grupo. O sorriso é o sinal maior da expansão da aura humana, tornando o homem mais atrativo e receptivo, o que pode e deve ser usado para derrotar suas preocupações em momentos de dificuldade.

Na atual quadra brasileira, em sã consciência, qual o cidadão deste País que está tranquilo com tudo que vem lhe acontecendo? Políticos duvidosos, falcatruas em profusão, golpes de toda natureza, trambiqueiros dando volta nos quarteirões, violência explícita a céu aberto, ex-banqueiros golpistas soltos e empanturrados de dinheiro, juros escorchantes, enfim, uma saraivada de reveses que o brasileiro vem conquistando, que nocaute seria pouco para denotar a lona psíquica a que foi remetido. Sorri quem está em harmonia com a vida, com as forças do mundo exterior e interior, diriam os pensadores. Os olhos são as janelas da alma , disse o escritor norte-americano Edgard Allan Poe (1809/1849).

Por extensão, o sorriso é também a sua porta, que, quando entreaberta, revela o que temos nos aposentos mais íntimos do nosso interior. Uma pergunta então se faz: o brasileiro pode sorrir espontaneamente pela alegria de estar simplesmente vivendo num País onde a natureza é pródiga de belezas singulares; de ser um povo miscigenado e dono de um jogo de cintura sem igual, capaz de engolir cobras e lagartos todos os dias, em nome da paz; por estar numa terra sem vulcões, terremotos e afins? Voltemos a Addison, defensor do riso como o inimigo maior da preocupação.

Contudo, são tantas as preocupações do brasileiro que, por mais que possa sorrir, seu gesto não abafa a incidência elevada das adversárias. O seu riso, quando sai, está acanhado, fosco, ofuscado por tantas decepções, incertezas… Agora, querem apagar as luzes. Para o velório do sorriso, mais que amarelado, do povo brasileiro, só faltam as velas.

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