Operação Lava jato: ‘Corrupção até debaixo d’água’

Empresário Hélio Pistelli/Foto: Cláudio Gatti

A empresa paulista Pistelli Pelz atua, há 33 anos, na confecção de coberturas para empresas. Sua tecnologia de galpões insufláveis é utilizada, pela indústria para a instalação de fábricas temporárias, ou como uma ampliação de espaço de armazenamento para companhias do setor logístico. Nestlé, Avon, Natura, Basf, Airbus, Philips e outras grandes empresas já utilizaram essas estruturas. Há dez anos, seu fundador, o engenheiro Hélio Pistelli, percebeu que poderia explorar também o setor de construção de grandes obras, e conseguiu contratos com a Petrobras.
O que, a princípio, parecia um bom negócio acabou gerando dor de cabeça para o empresário. Afinal, ele não esperava era entrar em contato com alguns membros do clube das empresas que são investigadas, atualmente, pela Operação Lava Jato, que apura malfeitos na estatal. Resultado: a Pistelli Pelz acabou envolvida em um esquema de cobranças abusivas, sobrepreço e superfaturamento, que levou a um boicote, por parte de algumas construtoras, aos seus serviços prestados. Tudo isso porque as coberturas da empresa poderiam prejudicar um esquema de cobrança da chamada “máfia das chuvas”.


Trata-se de um grupo de empreiteiras que se aproveitava do mau tempo para interromper as obras e cobrar adicionais da Petrobras, com a conivência de executivos da estatal. Os primeiros contratos conquistados pela Pistelli Pelz, no setor, incluíram a proteção das obras do Gastau – o gasoduto que liga a unidade de tratamento de gás de Caraguatatuba, no litoral paulista, a Taubaté – e de Angra 3, para a Eletrobras. Ambos tiveram êxito e contribuíram para que os projetos fossem entregues no prazo. Com isso, a Petrobras começou a incluir, rotineiramente, os galpões da Pistelli nos novos contratos para suas obras.

Dessa forma, ela acabou participando de projetos importantes da estatal, como a Refinaria Presidente Bernardes – Cubatão (RPBC), a Estação de Compressão de Gás de Guararema e a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), em Canoas (RS). Nesse ponto, porém, algo importante mudou. Uma determinação da Petrobras foi feita para que os contratos de galpões infláveis fossem incluídos na verba das empreiteiras, e a Pistelli Pelz acabaria tendo os seus serviços terceirizados. O empresário Pistelli, então, passou a perceber que o valor pedido por seus galpões era literalmente inflado, nos contratos que as construtoras fechavam com a petroleira.

“Aquele negócio de 2% que falam de desvios, na Operação Lava Jato, não é nada perto do que acontece na realidade”, diz Pistelli. O projeto da RPBC, por exemplo, realizado pelo consórcio Tomé Engenharia e Technip, tinha orçamento de R$ 2 bilhões e foi concluído com valor aproximado de R$ 4,5 bilhões. Se o sobrepreço cobrado pelas empreiteiras pelas coberturas era uma vantagem para os executivos envolvidos nos esquemas de corrupção, por outro lado, elas não permitiam a cobrança da “verba da chuva”, instrumento previsto em contrato que permite o ressarcimento pelos dias parados devido à precipitação ou mesmo à possibilidade remota de incidência de raios.

Segundo um ex-executivo da Tomé, construtora de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, as obras paravam e muitas vezes máquinas quebradas e inutilizadas eram colocadas no canteiro, para justificar a cobrança de aluguel de equipamentos. Esse esquema seria um dos mecanismos pelos quais seriam acrescidos sobrecustos nas obras. O preço adicional acabava sendo utilizado pelas empresas para o pagamento de propinas para diretores e fiscais da Petrobras, conforme as investigações conduzidas pelo Ministério Público. O relato é confirmado por um ex-funcionário da estatal que trabalhou por três décadas na estatal e preferiu não ter o seu nome divulgado.

O caso da RPBC é emblemático. Por ser realizado em Cubatão, na Baixada Santista, região conhecida pelo volume elevado de chuvas, o projeto, liderado pela Tomé, seria acelerado caso a cobertura funcionasse. Com isso, o esquema da “máfia das chuvas” precisaria ser interrompido. Foi então, que no dia 29 de abril de 2012, a cobertura instalada se rompeu, por volta das 7h30, durante uma troca de turno, às vésperas do feriado do Dia do Trabalhador, e em momento de chuva caracterizada como entre fraca e moderada, segundo a Climatempo, empresa que presta serviços de análise meteorológica.

Os indícios de que funcionários da Tomé causaram o rompimento são numerosos, conforme apurou Comissão Especial de Inquérito, instalada em 2014, pela Câmara Municipal de Cubatão. Um vídeo produzido pela Tomé (veja no site da Dinheiro) mostra o momento exato da explosão, filmada por um funcionário da construtora, que parece estar apenas esperando o rompimento da cobertura e não aparenta nenhuma surpresa quando isso acontece. Sua única reação é dizer “rasgou”, antes de desligar a câmera. Anteriormente ao incidente, relata Pistelli, seus funcionários foram impedidos de operar os ventiladores que insuflavam a tenda.

Uma declaração, registrada no 17o Tabelião de Notas de São Paulo, assinada por José Alberto de Jesus Santos, ex-empregado da Tomé, atesta que, na manhã do dia 29, um funcionário da Pistelli reclamou que a pressão estava alta e que isso podia estourar a cobertura. Horas depois, um funcionário da Tomé mandou fechar as portas e ligar mais um ventilador. Quando foi notificar o caso a um superior, Santos ouviu que o seu turno estava terminado e que deveria ir embora. A Câmara de Cubatão também concluiu que, depois do ocorrido, a Tomé se apressou em retirar a cobertura e cortá-la, de forma que fosse inutilizada e não pudesse ser remontada.

A pressa para a retirada foi atribuída a um pedido de um executivo da Petrobras chamado Sérgio Oster. Há suspeitas de que a Petrobras teria sido conivente com esses esquemas, já que a empresa acabou pagando uma taxa de uso da cobertura inflável, que ficou em torno de R$ 25 milhões, e também remunerou a Tomé pelos dias parados devido à chuva, que já atrasavam a obra em quase um ano. Os funcionários da Pistelli também passaram a ser impedidos de entrar na refinaria no momento da desmontagem da cobertura.

“Diante de tal cenário, o que no mínimo se poderia esperar seria a abertura de uma sindicância a fim de apurar a verdade dos fatos, algo que parece não ter ocorrido, uma vez que a empresa Petrobras, convidada a prestar esclarecimentos perante esta Comissão, limitou-se a oficiar informando que não compareceria”, escreveu o relator da Comissão instaurada na Câmara de Cubatão, o vereador Aguinaldo Alves de Araújo. A Comissão convocou os funcionários da Petrobras para serem ouvidos na investigação, mas enfrentou resistências.

“Meses antes de estourar a Operação Lava Jato, tivemos a percepção clara de que havia algo de estranho, quando, ao convocarmos Marcelo Lopes, o gerente geral de obras, que projetou a refinaria, no lugar dele compareceram cinco advogados da Petrobras”, afirma Aldemário da Silva Oliveira, o vereador que presidiu a Comissão. “Eles vieram questionar a competência da convocação, dizendo que não poderíamos convocar autoridades para depor, como se um engenheiro de obras fosse uma autoridade.” Depois disso, segundo o vereador, ficou evidente a importância da verba de chuva para que ocorressem os desvios.

“Os valores da verba não estavam nem previstos nos contratos, então, podiam ser manipulados facilmente”, diz. “Ao fim, a Petrobras pagou por volta de R$ 300 milhões.” Em comunicado enviado à DINHEIRO, a Petrobras afirmou que foram pagos apenas R$ 43,5 milhões em ressarcimento às paralisações por chuvas na RPBC. “Esses valores referem-se a períodos em que a cobertura não poderia estar montada devido a restrições técnicas”, diz o comunicado. Ouvido, em Brasília, pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, no dia 10 de junho, Mauricio Guedes, gerente executivo de engenharia da área de abastecimento da Petrobras, foi perguntado sobre o caso e defendeu a empresa da cobrança dupla.

“Não pagamos pela locação da cobertura, mas pelo cumprimento do prazo da obra”, disse. “O consórcio também não recebe verba de chuva para os dias que a cobertura estava instalada.” A Petrobras informou, ainda em nota, que, apesar da queda da cobertura, “o consórcio permaneceu obrigado a cumprir os prazos como se a tenda estivesse insuflada, ou seja, sem acréscimo de prazo por chuvas”, afirmou o texto. “A Petrobras realizou apurações internas e não identificou irregularidades.” Também por meio de comunicado, a Tomé nega as acusações.

“A Tomé Engenharia repudia veementemente a acusação de que teria se beneficiado de dias parados, em projetos com a Petrobras, a fim de causar sobrepreço das obras”, informou. “A empresa não contribuiu para qualquer atraso em suas obras ou ainda ‘boicotou’ ou realizou cobranças indevidas.” Em janeiro deste ano, Carlos Alberto de Oliveira e Silva, presidente da construtora, declarou que a Tomé Engenharia precisará fechar as portas, devido à Petrobras ter congelado o pagamento dos aditivos aos seus contratos e por não mais conseguir crédito no mercado. A participação da Tomé na RPBC foi negociada com a parceira Technip.

A suspeita de cobrança dupla da cobertura e da verba da chuva também aconteceu em obra da brasiliense UTC, realizada para erguer a Refap, em Canoas (RS). A UTC é a construtora do empresário Ricardo Pessoa, que vem sendo apontado, na Lava Jato, como um dos líderes do clube das empreiteiras que combinavam a divisão dos contratos com a Petrobras, na diretoria de óleo e gás. A UTC afirmou, em comunicado, que a decisão de não usar a cobertura aconteceu depois que, em 30 de novembro, um mês após ter sido instalada, ela foi derrubada, durante uma tempestade com fortes rajadas de vento.

Segundo a Pistelli Pelz, a queda ocorreu porque as estacas que tinham sido presas 20 dias antes em concreto fornecido pela UTC, se soltaram. “O concreto não secou, mesmo depois de 20 dias”, diz Pistelli. “Parecia areia.” Segundo a UTC, houve um segundo problema na cobertura, no dia 12 de dezembro, e seria necessária a encomendação de uma nova lona, que levaria 90 dias para ficar pronta. A Pistelli Pelz refuta a informação. “Em 21 de dezembro, a cobertura estava pronta para ser novamente insuflada, mas fomos impedidos pela UTC de fazê-lo”, diz Pistelli.

Segundo ele, a cobertura havia sido retirada para reparos, quando começou a pressão da UTC, no Natal de 2011, para que não fosse recolocada. O motivo seria um pedido do sindicato que reclamava de condições de trabalho no interior da tenda. “Levamos uma equipe de análise ambiental que percebeu que o nível de gás carbônico dentro da cobertura não chegava a duas partes por milhão, quando o nível preocupante só começa aos 39 ppm”, diz o empresário.(Terra/ISTOÉ)

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