Assim caminha a Humanidade – por Milton Pomar

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Portugal atuou comercialmente na Índia e na China, a partir do início dos anos 1500, na sequência das grandes navegações, e até a entrada militar da Inglaterra nos dois países, em meados dos anos 1800. Sua atuação comercial no sul da China foi importante por quase 300 anos (1554-1842), até a conquista de Hong Kong pela Inglaterra, graças à vitória militar do império britânico sobre o império chinês na primeira guerra do ópio. Com a ascensão da Hong Kong britânica, Macau perdeu muito da importância que tinha como entreposto comercial – apesar disso, Portugal manteve controle sobre a ilha até 1999, quando devolveu-a para a China, que classificou a ilha como “Região Administrativa Especial”, a exemplo do que fez com Hong Kong (devolvida pela Inglaterra em julho de 1997), na lógica da política de “um país, dois sistemas”. Situação semelhante ocorreu na Índia, onde a entrada militar da Inglaterra, nos anos 1850, também deslocou Portugal para uma condição comercial secundária.


Lembrar desses fatos históricos em 2018 chega a ser engraçado, porque agora o comércio em Lisboa está dominado por indianos e chineses, de diversas formas. Seja na venda de souvenirs, em pequenas lojas de indianos na região do Rossio, em Lisboa; no enorme shopping center Colombo, no qual grandes lojas vendem exclusivamente produtos “made in China”; no supermercado Wang, na estação Oriente do metrô, no Parque das Nações; e em mercadinhos e outros tipos de comércio em bairros. No popular, Portugal “está dominado”, e é possível imaginar-se que na Inglaterra a situação não esteja muito diferente…

Esse fenômeno, de “invasão” comercial indiana e chinesa, não é exclusividade lusitana: é assim também em Madrid, Paris, Buenos Aires, Lima e São Paulo – só para citar algumas grandes cidades conhecidas. Em Buenos Aires, já há alguns anos, os mercadinhos nos bairros são de famílias chinesas. E no Uruguai, há a noção de que a indústria do país “acabou”, porque há mais de cinco anos muito do que se compra, em lojas e supermercados no interior e na capital, é “made in China”, inclusive produtos tipicamente uruguaios, de lã e couro.

A combinação de disponibilidade de capital e necessidade de vender o que produzem em grande escala o tempo todo, mais a cultura comerciante dos chineses e indianos, agravada pela expansão econômica e populacional indiana – juntos, os dois países possuem 2,6 bilhões de habitantes –, gerou essa situação inédita no mundo, de uma verdadeira “epidemia” de produtos e vendedores chineses e indianos. A má notícia é que muito em breve a Índia será uma China em termos populacionais, ultrapassando-a nesse quesito, e um estudo da PwC revela que o país será a segunda maior economia mundial em 2050.

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Existem cada vez mais grandes lojas de departamentos que vendem quase que exclusivamente produtos chineses, em vários países, inclusive no Brasil. São produtos baratos e de qualidade baixa ou no máximo mediana, importados por preços muito baixos, o que permite grande margem de lucro a essas lojas. Em alguns países da Europa há também produtos (principalmente roupas) fabricados no Cambodja, Vietnã, Filipinas, Bangladesh etc.

Essa situação no comércio varejista é a parte capilar do processo. Na outra ponta, estão grandes investimentos chineses em áreas estratégicas, no Brasil e em praticamente todo o mundo, e a atração de cientistas – inclusive brasileiros – para estudar e trabalhar na China. Agora, às vésperas das eleições estaduais e nacional, os dirigentes empresariais brasileiros das áreas industrial e comercial devem urgentemente parar para avaliar os resultados do que estão fazendo, há mais de dez anos, com a transferência crescente da sua produção para a China, e a importação e comercialização de produtos chineses em todos os segmentos, em escala cada vez maior. E quase nada de venda para a China, exceto o de sempre: soja, minério de ferro, carne de frango etc.

Sobre esses resultados, é muito eloquente o quadro apresentado na publicação “Panorama da Indústria de Transformação Brasileira”, de junho de 2017, da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), sobre o peso da indústria de transformação na formação da riqueza nacional, de 21,8% em 1985, para 11,7% em 2016. Essa queda expressa quão desastrosa será a desindustrialização brasileira nos próximos anos, para o emprego de nossos jovens e geração de renda, e, consequentemente, o consumo de bens e serviços.

A importância da indústria de transformação na economia é tão decisiva, que a China, onde o setor responde por quase 20% do PIB, deverá manter-se nesse patamar, porque assim garante a sua condição de “indústria do mundo”, o que lhe permite continuar com pleno emprego no país e crescimento anual de 6% do PIB, ainda que isso resulte para os demais países quantidades crescentes de desempregados.

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