Fazenda oferece oportunidade a detentos do Pará

Nascido em Vigia, a mais musical das cidades paraenses, Marcos Vinícius Barreto sempre teve fascínio pelo saxofone. Desde pequeno, acompanhava, embevecido, as apresentações dos grupos de fanfarra que fazem sucesso na cidade. A paixão era tamanha, que o menino resolveu que entraria para a Marinha Mercante. Em seus sonhos, aparecia com o uniforme branco, sax em punho nas apresentações da banda de música de fuzileiros navais. Nada saiu como planejado.


Aos 22 anos, o jovem moreno de traços marcantes, barba bem feita e cabelo cortado na última moda cumpre pena de 4 anos e 7 meses por tráfico de drogas. Passou 13 meses no que ele classifica como o inferno do regime fechado. Dividia uma cela com outros 26 detentos. Banheiro sem portas, mofo, privada entupida e mau cheiro. Há uma semana, Vinícius voltou a experimentar o saboroso gosto da liberdade. Não. Ele não é um homem livre. Ainda não. Vinícius cumpre pena, mas, agora, em regime semiaberto. E, o melhor, ele faz parte de uma experiência inédita no Pará e rara no Brasil.

Acompanhado de outros 14 presos e de um agente prisional, Vinícius deixou o Centro de Recuperação de Bragança (CRB), nordeste do Estado, para viver e trabalhar em Capitão Poço, conhecida como a capital paraense da laranja. Todos os dias, após o café da manhã – servido numa sala limpa e arejada -, ele começa os trabalhos na Fazenda Citropar, uma das maiores produtoras de laranjas do Brasil.

LIBERDADE

O almoço também é servido na própria fazenda e, em seguida, a lida continua até às 17h. Encerrado o expediente, os presos seguem para um alojamento também na Citropar. Essa rotina é a mesma, de segunda à sexta-feira, quando os detentos do laranjal pegam o ônibus, no final da tarde, e seguem de volta para o presídio, onde passam o final de semana. Às segundas, retornam à fazenda. Ao trabalho. E à liberdade.

Sob o sol forte, cercados pelo verde dos laranjais, os 15 detentos que fazem parte desse inovador projeto se dizem – e demonstram estar – felizes. “Aqui, a gente até esquece que está preso”, diz Vinícius. Mas essa liberdade é vigiada. Cada um deles usa uma tornozeleira que emite informações para um centro de controle, em Belém. Além disso, um agente prisional acompanha o grupo de perto, todos os dias. O tempo todo.

FUTURO

Para que o projeto tenha vida longa e até seja expandido, todos os envolvidos sabem que o bom comportamento dos presos é fundamental. Sem isso, a admirável iniciativa do proprietário da Fazenda Citropar, o empresário Junior Zamperlini (veja box ao lado), pode ruir. Na propriedade, os detentos começaram trabalhando na limpeza dos pomares e no adubo do solo. E também poderão atuar em outras áreas, como mecânica e funções administrativas. “Só vai depender deles”, diz Junior.

Logo na primeira semana de trabalho, os mais novos trabalhadores da fazenda mostraram que não estão para brincadeira. “Todos eles tiveram excelente produtividade”, afirma o empresário. Se tudo continuar indo tão bem, em breve os 15 presos podem receber a companhia de outros detentos. Junior Zamperlini já avisou que quer contratar mais 75 condenados e que estejam em regime semiaberto. “Não é porque fizemos algo errado que não podemos ter outra chance na vida”, diz Edilon Souza, 26, preso por tráfico de drogas. Ali, no meio do laranjal, ele se sente feliz. Livre.

“DIZIAM QUE EU ESTAVA MALUCO”, CONTA O FAZENDEIRO

A notícia se espalhou rápido e gerou polêmica na pequena cidade de Capitão Poço, de 52 mil habitantes. Dias antes do ônibus chegar ao município, trazendo os detentos que trabalhariam nos laranjais da Citropar, esse se tornou o principal assunto em todas as rodas de conversas.

A princípio, a novidade gerou polêmica e medo. “Quando a gente passou, dava para ver as pessoas nos olhando de um jeito estranho”, conta Edilson Sousa, um dos detentos do projeto.

Entre os empregados da Fazenda Citropar, o burburinho também foi grande. “Minha mulher ficou temerosa”, admite o administrador Odacy Hernane, 33 anos, dos quais 13 foram dedicados ao trabalho na propriedade. “Lá em casa, diziam que eu estava maluco, com essa ideia de trazer presos para trabalhar aqui”, conta, às gargalhadas, o empresário Junior Zamperlini, 40.

INÍCIO

O susto inicial está sendo substituído por uma espécie de euforia por parte de todos. “Eles têm feito um ótimo trabalho”, diz o empresário. “É uma alegria saber que você está contribuindo para dar uma nova chance a essas pessoas”, completa Hernane, o administrador. A ideia do projeto surgiu quando Junior começou a sentir falta de mão de obra para trabalhar na fazenda. Numa conversa com amigos, soube da possibilidade de contratar detentos do regime semiaberto. Entrou em contato com a Justiça de Bragança, que, após analisar as condições de segurança e alojamento da fazenda e o perfil dos presos, autorizou a saída deles durante toda a semana. De tão feliz com o projeto, Junior Zamperlini já disse que gostaria de manter todos os detentos como funcionários da fazenda, após o cumprimento das penas.

FAZENDA CITROPAR

QUEM PODE ENTRAR
A opção pelo projeto é voluntária. Os detentos decidem se querem ou não ir trabalhar na Fazenda Citropar.

O QUE DIZ A LEI

Conforme a legislação, cada 3 dias trabalhados representam um dia a menos na pena dos internos. Normalmente, os presos passam o dia no trabalho e voltar para dormir no presídio. No caso da Fazenda Citropar, foi aberta uma exceção, para que os detentos, durante a semana, passem as noites no local de trabalho.

DINHEIRO

Cada preso recebe uma remuneração de três quartos do salário mínimo (R$ 660 reais). O dinheiro é depositado em conta aberta pela Superintendência do Sistema Penal e dividido em três partes: um terço vai para a família do detento, um terço para poupança em nome do preso (que ele receberá ao ser solto) e um terço fica com o detento, para seus gastos pessoais.

(Diário do Pará)

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